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Estação de serviço (ep. 3.1)

«Isto é um assalto!» gritou, irrompendo pela loja da gasolineira. No mesmo instante ouviu-se um estrondo e a cabeça do empregado explodiu, expelindo sangue e miolos por todo o balcão. O corpo caíu como uma marioneta separada de seus fios e um sangue grosso pingou pelos maços de tabaco e pelos expositores da parede branca, atrás do balcão.

«Porque raio fizeste isso, caralho?», gritou histérico o Levezinho, que entrara a correr pelas portas automáticas com uma pistola na mão. Pequeno e gordo, os cabelos alagados em suor, uns olhos exorbitados e um rosto moreno mas irregular, falava assim ao personagem imóvel, homem alto e de ombros largos, de caçadeira de canos serrados ainda fumegante nas mãos, que lhe virava as costas, actor central de um quadro surrealista de cor vermelha e negra.

Nem esperava resposta sequer, mas o outro girou na sua direcção, sorrindo serenamente num rosto branco, quase lívido. «O gajo ia fazer chinfrim ! Detesto quando eles se põem a fazer aqueles gritinhos ! Assim já não chateia!», disse calmamente.

«Não me apontes essa merda, caralho! Vira-me isso para outro lado!», gritou nervosamente o Levezinho, tentando escapar a uma trajectória hipotética da caçadeira que negligentemente balançava nas mãos do outro. «Olha a merda que fizeste, há miolos do gajo por todo o lado! Vai tu ver a caixa, eu não meto as mãos nessa merda!» continuou gritando o Levezinho, tentando conter um vómito, enquanto entalava a pistola no cinto.

E enquanto o Mangas escorregava pelo chão, encharcado em sangue, até à caixa registadora e tentava abri-la, teclando em todos os botões, mas evitando aqueles por onde escorria algo gelatinoso, o gordo enchia um cesto de compras com garrafas de uisque, garrafinhas de licor e latas de cerveja. Enquanto esvaziava as prateleiras, lançou ao outro, «Então, quanto é que há?».

«Dois mil e tal!», resmungou o Mangas.

«Só, caralho! Não pode ser!» gritou o Levezinho.

«É só o que há, tou-te a dizer!», continuou o Mangas, sem olhar para o outro e enrolando as notas no bolso da camisa.

«Esta merda toda por dois mil euros?!», considerou o Levezinho, zangado e continuou nervoso «Vamos mas é pirar-nos daqui, antes que chegue a bófia!»

O Mangas levantou para ele os olhos pela primeira vez e retorquiu calmamente, «Qual bófia, qual quê, pá! Não vês que isto aqui fica no meio do deserto. Antes de amanhã de manhã não pára aqui carro nenhum! E a essa hora já vamos estar a milhas, meu!…»

«Mas o melhor é bazarmos daqui já. ‘Bora, caralho!», continuou aos gritos o Levezinho, saindo porta fora carregando o cesto metálico nos braços. A caminho da porta, com todo o tempo do mundo, o Mangas, agarrou uma Playboy de um expositor e uma barra de chocolate de outro e saiu do shop devastado.

Enquanto o Levezinho descarregava o cesto na bagageira do carro, o Mangas entrou no automóvel do lado do passageiro, arrumou a seus pés a caçadeira e a revista, cuspiu pela janela aberta o papel do chocolate, no qual deu uma grande dentada, ficando-se a mastigar de boca aberta.

O Levezinho enfiou-se atrás do volante, pôs o carro a roncar e arrancou. A poeira levantou em turbilhão até aos néons do shop que já se iam tornando em pequenas luzinhas azuis na penumbra da noite que ia crescendo no retrovisor do BMW desenfreado numa velocidade louca pela estrada desconhecida fora.

José Luis Correia, 25/03/2000

(excerto do capítulo 3 do romance policial «Mangas & Levezinho»)

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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