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De Báthory a Krugman

Em 2009 Luís Sepúlveda escreveu uma pequena novela intitulada “A Sombra do que Fomos”. Deixado de lado o enredo, que no entanto não deveria dispensar leitura por nenhum de nós, foco-me no personagem de Nolasco – o inveterado Anarquista – e também no seu “mentor” de vida e política. Do mentor de Nolasco, também Anarquista indefectível, sabe-se que tirou, com auxílio de um revólver, a própria vida quando as pernas e a ideia o começaram a trair de tal forma que não poderia mais continuar a ser quem era. Tirou a própria vida porque a um anarquista nenhuma imposição se lhe apresenta: nem a morte. Um Anarquista escolhe, de livre vontade, quando e como quer morrer.

Logo no início da acção desta obra, a Nolasco é negado esse privilégio ao ser atingido na cabeça por um gira-discos inadvertidamente lançado pela janela no meio de fervorosa discussão conjugal. Equipado com o seu revolver no bolso, tal como o seu mentor, foi negada a derradeira liberdade a quem, por (de)formação, não conhecia nem lei nem mestre.

Assistimos há longas semanas, longas demais, aos supostos avanços e recuos de uma também suposta negociação da resolução do problema financeiro da Grécia. Que a Grécia deve dinheiro, muito dinheiro, aos seus parceiros europeus e ao FMI é uma verdade inquestionável.

Nestes últimos anos, em virtude dos dois programas de auxílio levados a cabo, a Grécia recebeu qualquer coisa como mais de 250 mil milhões de euros – um autêntico sorvedouro de dinheiro. Dito assim só nos resta concluir que temos andado a dar dinheiro a quem não se sabe governar. Mas olhando mais de perto podemos ver que de todo esse dinheiro tão só 29 mil milhões foram utilizados em despesas pelo estado Grego. Menos que os 48 para financiar os bancos gregos ou os 40 para pagar juros da dívida, ou dos 80 mil milhões usados para o pagamento de dívida. De todo o dinheiro que para lá demos afinal só cerca de 10% é que lhes deu algum uso. O resto foi para continuar a alimentar um sistema, digno de uma Condessa Báthory Erzsébet, que visa tão só continuar a sangrar a economia grega.

Com cerca de metade da população na miséria, com um PIB que representa menos de 80% (ver recente artigo de Paul Krugman no New York Times) daquele de 2009, e em declínio ainda, a Grécia é o exemplo mais visível de como a política de austeridade imposta pelo trio de ataque neoliberal CE-BCE-IMF não funciona. Outros sinais desta verdade podem ser encontrados no longo período da grise de Governo Belga que, estando em gestão não podia aprovar um novo orçamento, foi o último país da zona euro a entrar em crise e pelo caso Islandês que recusou, pura e simplesmente, salvar bancos duma falência à qual se tinham conduzido tal qual junkies da adrenalina em mais uma final e letal manobra de “desporto radical” em que se envolveram.

A solução apresentada para a Grécia pelo trio de ataque neoliberal tem, em todas as suas 50 nuances (de cinza, se me permitem) um só único fio condutor: reduzir as pensões. Não há explicação nem motivo que se vislumbre para este ataque que não o desmantelar da sociedade, o fim do estado social que a Europa se comprometeu a construir após a 2ª Grande Guerra. É sabido de há muito que nenhum outro subsector económico da sociedade tem um fluxo de entradas de capital mais estáveis que o sector das pensões. É isto que de facto o trio, representando os interesses da alta finança (aqui aconselho a leitura do livro “La Banque” de Marc Roche), anda de facto atrás – esta é a baliza na qual este trio de ataque quer pontuar.

O fim do Estado Social leva à ruptura do sistema de pensões. Este sistema tem sido acusado de deficitário mas que no entanto, como se pode ver pelos exemplos quer em Portugal (ler “Quem Paga o Estado Social” de Raquel Varela) quer no Luxemburgo (ver os resultados do Centro Comum da Segurança Social até à entrada em funções do liberal Bettel), sempre se sustentou e ajudou ainda a financiar o Orçamento de Estado. O fim do sistema de pensões e de solidariedade social do estado leva à entrada na arena das seguradoras financeiras. Se há despesas em que nenhum de nós, tendo a possibilidade, liga a números estas são a saúde e o pôr algum de lado para a reforma.

Sem o Estado Social no terreno as seguradoras financeiras são livres de invadir o mercado tendo assim ao seu dispor uma fonte de rendimento interminável e voluntária para poderem usar no casino bolsista em que se transformou a economia financeira mundial.

E qual é o mal de termos o sector privado a financiar a nossa saúde e as nossas reformas? O mal é que quem passará a gerir esse dinheiro não presta contas a ninguém. Enquanto que o Estado tem sempre, mais não seja, que prestar contas de 4 em 4 ou de 5 em 5 anos aquando das eleições legislativas. Mais, se o Estado gerir mal o dinheiro das pensões terá sempre que intervir com medidas de compensação para colmatar as baixas pensões – o Estado que somos todos nós e que é governado por quem nós escolhemos. Se um banco for à falência devido à ganancia dos seus gestores e levar consigo milhões e milhões em fundos de pensões é, também, o Estado que tem que intervir para colmatar esse problema. No fim são sempre os impostos de quem trabalha, visto ser cada vez mais prática serem só os trabalhadores a pagar impostos. Não é assim Sra. Lagarde?

Os Gregos escolheram ficar de pé, como as árvores. Entre a frigideira e o fogo quiseram ser eles a escolher. Não se deixar manietar e manipular. Por isso elegeram uma assembleia nacional de maioria Syriza. Até porque há outras soluções que, certo, podem passar por estacionar submarinos russos ou chineses no Mar Egeu. Mas há outras soluções.

Como Nolasco escolheram sair à rua de revolver no bolso. Espero que não lhes acometa a sorte do herói ausente do livro de Sepúlveda e que possa, se necessário for, ser sua a derradeira liberdade de escolher, se assim o entenderem.

Como diria Zapata, e porque tudo a isto que se resume: Antes vivir de pie que morir de rodillas.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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