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Crónicas da vida real: Clarinha – última parte

 

Não lhe pedimos mais do que serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos mudar, a coragem para mudar as que podemos, e a sabedoria para conhecer a diferença entre elas.

Clarinha, há mais do que uma razão para que eu escreva, mesmo que de maneira muito breve e superficial, uma pequena parte da história da tua vida.

Uma dessas razões é porque a tua história é também a história de milhares de outras Clarinhas espalhadas pelo mundo do qual todos fazemos parte. É uma história que, com mais ou com menos contornos, se baseia num mesmo sofrer, numa mesma angústia e porque não, numa mesma esperança, comum a muitas outras Clarinhas com problemas semelhantes. A tua história faz parte da vida real.

Acredito que com o tempo, com a tua constante luta no caminho da recuperação, mantendo-te afastada das drogas que te minaram a vida, as peças do puzzle dessa mesma vida acabem por encaixar no seu devido lugar.

Mas também sei que da dor e do desespero irá ficar uma cicatriz que nem o tempo apagará.

Quando, nos escassos dias que tiveste o teu bebé contigo, to arrancaram dos braços para que fosse entregue aos pais adotivos, arrancaram também um pedaço de ti, tão grande e tão profundo que a ferida da qual as tuas lágrimas sangram, poderá com o tempo, muito tempo, amenizar, mas nunca irá cicatrizar.

Vi-te muitas vezes com esse teu olhar que transporta dor, sofrimento e raiva e ansiedade e desespero, e muito pouca esperança, de olhos vidrados pelas lágrimas a veres vezes sem conta o mesmo vídeo que guardas como uma relíquia no teu telemóvel, e que é a única recordação viva que tens na memória, do teu filho recém-nascido, deitado no berço, a mexer as mãozitas, tão pequeninas delicadas e doces, tão ternas quanto a ternura com que te perdes nessas imagens, a imaginar sabe-se lá o quê, e com essa tua essência de mãe a reparar em pequeníssimos pormenores da criança, que mais ninguém seria capaz de reparar.

E depois, porque as leis não te permitem saber quem o levou, para onde foi e com quem, só te resta imaginar na tua mente, à medida que o tempo passa, como será ele. Que feições terá, como será o tom da sua voz, quais serão as suas primeiras falas, será que um dia vai saber quem foi realmente a sua mãe? Será que ao sabê-lo lhe transmitirão de maneira aberta e verdadeira as circunstâncias reais da sua condição de filho adotivo, sem julgamentos, sem opiniões baseadas em algo de que se não entende verdadeiramente a dor que envolve?

Clarinha, eu gostava de encontrar as palavras certas para te dizer. Para que pudesse com elas aliviar um pouco da tua dor, mas de facto não as encontro. Deixo, no entanto, registado, que o teu filho que deste para adoção, não foi consequência de uma decisão leviana, ou de falta de amor, mas sim de uma grandeza de quem, sabendo que está amarrada numa teia onde pelas mais diversas circunstâncias se deixou apanhar, e sabendo que não tem condições para proporcionar uma vida a um inocente acabado de chegar ao mundo, digna e decente, o entrega nas mãos de outras pessoas que lhe possam dar o que tu querias mas não podes. Quase incompreensivelmente isso é um ato de amor e sofrimento ao mesmo tempo.

Eu sei que, em momentos como este, esperança parece ser uma palavra distante, quase inexistente. Mas esperança é ao fim e ao cabo acreditar numa luz que não se vê, quando se está mergulhado na escuridão. E talvez seja essa a razão pela qual escrevo e registo a tua história, na esperança de que um dia quem sabe, ela possa ajudar a repor verdades, esclarecer atitudes e decisões, a clarificar dúvidas. Esperança é acreditar que, mesmo quando tudo parece perdido, talvez um dia o destino, seja lá o destino o que for, te junte ao teu filho e o reencontro possa de alguma maneira compensar o tempo irremediavelmente perdido.

Clarinha, já falamos nisso. Nem eu nem tu acreditamos num Deus fabricado e imposto por uma qualquer religião. Não acreditamos no velhinho de barbas brancas e olhar sábio, sentado numa grande poltrona, cheia de enfeites de arte dourada, a espalhar pozinhos de perlimpimpim por aqueles que melhor lhe caem no goto.

Mas acreditamos que há um Poder Superior, um Deus que não tem que necessariamente ter uma forma, uma fisionomia, mas sim a maneira como cada um de nós assim o concebemos.

Acreditamos nesse Poder Superior e na sua capacidade de nos orientar na vida, de nos amparar nos momentos mais difíceis, de nos guiar. E é confiando nessa fé que procuramos melhorar o nosso contacto com Deus falando com Ele em oração, e ouvindo as suas respostas através da meditação, rogando-lhe que nos ajude a conhecer apenas a sua vontade e que nos dê a força suficiente para que possamos realizar essa sua vontade.

Não lhe pedimos mais do que serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos mudar, a coragem para mudar as que podemos, e a sabedoria para conhecer a diferença entre elas.

Clarinha, desde que comecei este texto, tenho andado às voltas com as palavras, a tentar achar as que fossem mais certas, para de alguma maneira aliviar um pouco que fosse, a dor com que vives estes momentos tão tenebrosos da tua vida. Por muito ou pouco que diga não encontro essas palavras. Não sei onde estão. Não sei se foram já inventadas no vocabulário, de maneira a poderem definir com exatidão a dor pela qual estás a passar. Penso que, definitivamente, não foram inventadas ainda as palavras que possam atenuar essa dor. Por isso, a única coisa que te posso dizer é que estarei sempre aqui à espera de te dar este abraço de amizade e solidariedade, que estarei sempre aqui para te ouvir, acarinhar e dar força, acreditando contigo que, o Poder Superior a nós mesmos nos ajudará a compreender o que nos parece impossível, senão injusto e ininteligível de entender (…)

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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