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Conto do vigário

Das numerosas histórias, que meu pai narrava, sobre a nossa família, havia uma, que nunca esqueci. Não tanto, por a ter escutado várias vezes, mas por versar tema, que me impressionava.

Sofia era tia-avó de meu pai. Jovem, alegre, bonita e brincalhona. Casou cedo – como era costume, nas moças do seu tempo.

Meses após o matrimónio, o marido, resolveu embarcar. Embarcar para o Brasil, terra prometedora, onde era fácil juntar fortuna.

Vendeu os poucos bens que possuía, e abalou, na companhia da jovem mulher, para Santos. Daí tomou comboio para São Paulo, onde o esperava, português, amigo de infância.

Decorrido meses, estabeleceu-se; e tanta sorte tiveram (ele e o amigo,) que o negócio progredia a olhos vistos. Podia-se dizer: estavam ricos, ou pelo menos bem lançados na vida.

Andava a Sofiinha metida num sino. Ao visitar a amiga Júlia de Castro, não se conteve, e confessa-lhe que nunca pensou levar vida tão folgada…

Mas a sorte, tanto anda, como desanda. O marido adoeceu. Por recomendação médica, mudou-se para Campos de Jordão, mas pouco lhe adiantou: faleceu.

Meses depois do funeral, ao receber a parte, que tinha direito, o sócio, levando-a para o escritório da firma, disse-lhe, em voz de pesar e conselheira:
– “Sofiinha: você sabe como era amigo do falecido. A Sofiinha esteja descansada, receberá sempre o que lhe é devido dos lucros da padaria. Mas, por que não regressa a Portugal? Sempre estava na sua terra… na companhia dos seus. Sabe como é: viúva, em terra grande… nunca está segura”.

Sofiinha pensou, tornou a pensar, e concluiu que o sócio tinha razão.

Assentou, então, aceitar o parecer do amigo.

Passou procuração. Fez as malas. Despediu-se das poucas amigas, e partiu para Santos, na companhia da família do sócio.

Regressada à casa paterna, aguardou o envio do dinheiro, conforme combinara. Como tardasse, escreveu… Não obteve resposta.

Receosa, consultou advogado, contando-lhe o sucedido.

Decorrido meses, soube o seguinte: o sócio, obtida a assinatura na procuração, passou a padaria para seu nome.

Tinha caído no conto do vigário.

Concluía, assim, meu pai: “não se pode acreditar em ninguém! Muito cuidado a passar procurações e assinar folhas em branco ou parcialmente preenchidas, porque não falta quem dizendo-se muito honrado e amigo – nos tire o que é nosso, e ainda temos que agradecer, se não nos deixar dívidas!”.

Eu, que já muito vivi, garanto-vos que todo o cuidado é pouco, principalmente, quando nos cercam com palavras mansas e bocas cheias de risos…

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