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A carta de amor (devaneios de um teenager)

Por essas razões, também ele começou a adorar as sextas-feiras à tarde, esperando por elas ansiosamente, e a odiar os domingos à noite. Por alguma razão adorava a música dos Pink Floyd quando dizia… “welcome my son, welcome to the machine…”. E no espaço que compreendia a sexta-feira depois do trabalho, e o domingo à noite, juntava-se com os seus melhores amigos, o Diogo e o Mário Adão, e outros que, entretanto, se foram juntando ao grupo, sempre muito incertos do que fazer nesses fins de semana, numa cidade, nessa altura vila, onde não havia nada que pudesse preencher o vazio que teenagers como eles, tão depressa formavam dentro de si.

Mesmo assim, nessa altura continuava a ser um leitor assíduo de livros, livros esses que continuavam a ser a única coisa que lhe parecia encher a alma e de certa maneira dar algum sentido à vida. Com eles sonhava acordado em cada parágrafo consumido, em cada página virada, e com eles, ou melhor dizendo, com a leitura que deles emanava, em algumas situações, dependendo do que estava a ler, quase que apaziguava a vida sem futuro e sem grandes aspirações, que tinha escolhido, com o que lia, e com os sonhos e fantasias que, do que estava a ler, colhia. E depois, paralelo a tudo isso, havia a donzela dos cabelos compridos, lisos e sedosos, que não lhe saía do pensamento, muito menos do coração.

Tinha mais dificuldades em vê-la agora, mas quando via, que normalmente era ao domingo de tarde, era como se o seu mundo se transformasse naquele momento, no lugar mais belo e maravilhoso do universo. Dizia a si mesmo, e aos amigos também, que o fim de semana não era fim de semana se não visse a linda rapariga por quem se apaixonara, e da qual não sabia, não tinha muitas ideias em relação a isso, como lhe poderia conquistar o coração. Talvez por isso, numa noite, já depois de ter terminado mais um capítulo do livro que nessa altura andava a ler, “Papillon” de Henri Charrière, pegou numa caneta, puxou de uma folha de papel entre os cadernos que tinha a seu lado, e deixou os sentimentos entregues à tinta que fluía pelas linhas desse mesmo papel, dizendo-lhe o quanto a amava, o quanto os seus dias sem ela não tinham qualquer significado. Expressou de maneira quase comovente, assim pensou ele, as saudades que tinha dos dias de escola em que pelo menos nessa altura se podiam ver diariamente. Uma vez mais lhe jurou amor e fidelidade para o resto dos seus dias, não tendo muitas certezas, no entanto, tonto que estava pela emoção de lhe estar a dirigir as palavras que escrevia, quase ouvindo o barulho do seu coração bater como um tambor, se já o tinha feito, e pelo sim pelo não, para que não perdesse a coragem de continuar o que tinha começado, preferiu não ir atrás na carta, para se certificar disso. Jurar-lhe o seu amor duas vezes, nem sequer se aproximava da vontade que tinha de o fazer mil vezes ao dia que fosse.

Foi claro ao exprimir os seus sentimentos, e para que dúvidas não ficassem, pediu-lhe que considerasse o facto de se tornar sua namorada, e quando escreveu a palavra, quando a viu impressa pela sua letra, pela sua mão, quando a releu depois de a escrever, sentiu a principio, como um soco no estômago, que o formigueiro e a emoção do que a palavra significava depressa amenizou a dor desse imaginário soco. Namorada… sentiu um calor invadir-lhe todo o corpo, mas foi nas faces e algures à volta da barriga que esse calor mais se manifestou. Terminou a carta com os desejos de que ela a lesse mesmo antes de a deitar fora se fosse caso disso, se por algum motivo, que ele não encontrava de facto explicações no momento para que acontecesse, não estivesse interessada nele, e por isso também não visse razões para perder tempo a ler uma carta que não lhe interessaria o seu conteúdo. Mas isso já era a emoção e o medo de mãos dadas, aliadas à confusão de mesmo sabendo bem interpretar os seus sentimentos, não sabia, no entanto, como lidar com eles pondo-os na ordem. Pediu-lhe uma resposta assim que lhe fosse possível. Depois, inquietante, mesmo contra todos os esforços e promessas que fizera a si mesmo, de não reler a carta, não resistiu e lá a leu do principio ao fim, atento às possíveis calinadas no português escrito, na sua quase crónica inabilidade para pontuar o texto corretamente, especialmente as virgulas, certificou-se que não dava erros crassos ortograficamente, substituiu uma palavra ou outra por um sinónimo que pudesse soar um pouco mais inteligente, e deu por concluída a primeira parte da sua decisão, em tomar uma atitude em relação ao que fazer para conquistar o grande amor da sua vida. Digamos que, a parte mais fácil estava feita, faltava fazer a parte mais difícil que era a de entregar a carta às mãos da princesa.

Demorou para que ganhasse a coragem necessária de entregar a carta já escrita, e que guardava no bolso de trás das calças, sempre à espera de uma oportunidade que teimava em não surgir, às mãos da destinatária que a deveria ler. Havia dias em que elevava os olhos para o céu e em pensamento clamava uma ajuda divina, pequena que fosse, mas Deus que provavelmente andaria ocupado com outros assuntos mais sérios, e os seus anjos da guarda sempre tão distraídos, não proporcionavam essa oportunidade que teimava em surgir.

Confiado à sua sorte não teve outro remédio se não o de dispensar a ajuda divina e agir por conta própria, desse para o que desse. E de facto não deu muito. Depois de passar uma tarde de domingo a segui-la à distância, pensando para si mesmo…” vai ser agora, vai ser agora”, e o raio do agora era sempre interrompido por algo ou alguma coisa que o impedia de tomar a coragem necessária para fazer o que tinha a fazer, entregar uma carta às mãos da sua amada, quase sem pensar, deu uma pequena corrida para se aproximar dela e chamou…

Oh São, posso dar-te uma palavrinha rápida…?”

Ela parou e olhou para trás. Vinha com uma outra amiga, a Carmo.

De repente ele corou. Sentia um calor fumegante incendiar-lhe as faces, e foi desde logo, desde esse momento em que sentiu esse calor descomunal que pôde prever quase com exatidão que a coisa iria correr mal. Se não fosse descabido no momento, pedir-lhe-ia que lhe coçasse as costas, tal era o calor e o formigueiro provocado por esse mesmo calor, que sentia.

Puxou da carta do bolso de trás, das calças, e entregou-lha em mãos.

– Gostava que lesses essa carta…

E pouco mais disse. Sentiu-se tão aparvalhado naquele momento que nem sequer se lembra se disse algo mais. Talvez fosse o formigueiro nas costas, que se vá lá saber porquê, estavam a transpirar. Ela estendeu-lhe a mão e pegou na carta, não sem antes lhe soltar um sorriso maravilhoso. Aquele sorriso por momentos aliviou-lhe um pouco a comichão nas costas. A Carmo olhou a amiga e sorriu também. Não havia mais nada para dizer, e melhor seria que Balthasar nada mais dissesse, mas mesmo assim ainda se aventurou…

– É para leres quando estiveres sozinha…quando tiveres tempo dá-me uma resposta por favor.

Bem podia ter evitado a frase. Não era necessária. Sentiu isso nas costas que voltaram a formigar, e na face que com certeza voltou a corar novamente pois o calor voltava. “Que raio, a coisa correu pior do que eu pensava.

– Está bem… assim o farei.

E de facto assim o fez, a resposta foi não.

(excerto do capitulo 6…)

António Magalhães

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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