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Bernie

Se é verdade que Donald Trump é o candidato presidencial americano preferido dos media, é igualmente verdade que tem poucas hipóteses de chegar à Casa Branca, em particular se do lado Democrata enfrentar Bernard Sanders. Provavelmente nunca leu tal nome, é natural, Sanders é o candidato malquisto dos media, mas é ele o verdadeiro fenómeno destas eleições.

Sanders nasceu durante a II Guerra Mundial em Brooklyn (Nova Iorque) e perderia ambos os progenitores antes da maioridade. Estudou Ciência Política na Universidade de Chicago nos anos 60, onde participou nos primeiros levantamentos contra a discriminação racial. Terminados os estudos, Sanders percorreu vários empregos no Vermont, que o acabariam por fixar nesse estado.

Depois de breves passagens por pequenos partidos políticos nos anos 70, Sanders candidata-se como independente a presidente da câmara de Burlington em 1981. Surpreende ao derrotar o candidato Democrata incumbente e mantêm o lugar durante quase uma década. Durante este tempo Sanders apresenta-se abertamente à imprensa como social-democrata. O termo “socialista” é especialmente mal visto nos Estados Unidos – tido como sinónimo de anti-democrata – e pode ser mesmo considerado uma ofensa.

Em 1990 Sanders candidata-se com sucesso ao Congresso americano; torna-se o primeiro independente eleito em 40 anos e o primeiro de sempre  auto-intitulado social-democrata. Sanders ganha eleições sucessivas para congressista com mais de 50% dos votos, representando o Vermont durante 16 anos. Com altas taxas de aprovação entre os seus eleitores, fica popularmente conhecido pelo diminutivo do seu primeiro nome: “Bernie”.

Anuncia a candidatura ao Senado em 2005 e cedo ganha o apoio de várias figuras do partido Democrata, entre os quais Harry Reid e o então senador Barack Obama. Num estado tradicionalmente mais próximo do partido Republicano, Sanders obtém 71% dos votos. Mantém ainda assim o estatuto de independente.

2015. Sanders tem 73 anos de idade e 10 como Senador, mas não é na reforma que pensa. Em Abril anuncia a candidatura como independente às primárias do partido Democrata para as presidenciais deste ano. Hasteia como bandeira o combate às assimetrias sociais, propõe aumentar o salário mínimo, criar um sistema nacional de saúde universal, diminuir ou eliminar o custo do ensino superior e lançar um programa de obras públicas por forma a combater o desemprego e a precariedade laboral. Um discurso dissonante na América, mas que ecoa numa classe média que definha e em muitos eleitores que ainda estão para ultrapassar nas suas vidas a crise financeira de 2008.

Sanders recusa qualquer forma de financiamento institucional e quase não recebe cobertura mediática. A imprensa que toma nota apresenta-o regularmente como comunista ou anti-democrata. Sem o dinheiro dos grandes grupos económicos a campanha demora a arrancar. Sanders tem até Novembro de 2015 apenas 10 minutos de cobertura nos grandes canais televisivos; Hillary Clinton tem 113 e Donald Trump 243. Há políticos não candidatos que obtêm números múltiplos do de Sanders.

Mas em 2015 os media tradicionais já não têm o mesmo peso de outrora. A campanha de Sanders aquece nas redes sociais e os donativos multiplicam-se. Até ao final do ano a campanha recebe mais de 2 milhões de donativos, batendo todos os recordes anteriores e ultrapassando os 70 milhões de dólares. O donativos médio está na ordem dos 27 doláres (25 euros).

A campanha está na estrada no verão de 2015 e a dimensão do apoio popular à candidatura começa a materializar-se na afluência aos comícios. Em diversas cidades o número de assistentes ultrapassa os 10&nbsp000; em Portland terão estado 28&nbsp000 pessoas para ouvir Sanders. Estes números nunca vistos são um choque; a propósito, o senador John McCain (candidato presidencial Republicano em 2008) deixou este comentário: “tenho certamente um elevado grau de aceitação no Arizona, mas nunca conseguiria juntar 13&nbsp000 pessoas como ele conseguiu.”

O nome Bernard Sanders começa a aparecer nas sondagens, em especial depois dos primeiros debates entre os candidatos do partido Democrata. Apesar de figurar ainda atrás Hillary Clinton, há uma importante tendência que cedo se desenha: Sanders arrasa por completo no eleitorado jovem. Em alguns estados consegue aprovações na ordem dos três quartos entre os menores de 30 anos; muitos destes jovens nunca votaram e estão a interessar-se pela política pela primeira vez – por culpa de Sanders.

O final de 2015 aproxima-se, os debates sucedem-se e o campo Democrata reduz-se a dois concorrentes: Clinton e Sanders. A primeira apresenta-se como a candidata da continuidade e da estabilidade, o último como o arauto da ruptura com as políticas orientadas pela finança. Sanders explora ao máximo o facto de Clinton ser largamente apoiada pela indústria financeira; Clinton repudia Sanders como um idealista que não será capaz de cumprir com o que promete. A cisão entre Clinton e Sanders torna-se a grande cisão da América, mais que a cisão entre Democratas e Republicanos, é a cisão entre gerações, entre a América estabelecida e a América em dificuldades.

O desconforto entre a liderança do partido Democrata perante as crescentes hipóteses de Sanders começa a ser evidente . Multiplicam-se os apelos ao voto em Clinton com uma mensagem simples: o partido Democrata nunca ganhará as eleições presidenciais se apresentar como candidato um socialista.

Mas há algo com que o status quo Democrata não conta. A campanha mediática em torno de Donald Trump é um sucesso e no início de 2016 torna-se certa a sua vitória nas primárias do partido Republicano. Passa a ser assim possível testar em sondagens o desempenho dos candidatos do partido Democrata contra Trump. Contra Clinton o magnata da construcção perde por alguns pontos percentuais, o que lhe permite ainda sonhar com a eleição para a Casa Branca. Mas contra Sanders Trump não parece ter qualquer hipótese, com uma diferença consistente de mais de 10 pontos percentuais. Ou seja, para quem quer simplesmente evitar a vitória do controverso e mediático multi-milionário, a melhor escolha é mesmo Bernard Sanders.

Começam esta semana as complicadas eleições primárias do partido Democrata, com o estado do Iowa já na terça-feira. Sanders parece estar ligeiramente à frente, mas Clinton pode ainda assim obter mais mandatos (a eleição não é directa). Independentemente do vencedor, este processo eleitoral deixou já marcas indeléveis na política norte-americana. Em primeiro lugar a mobilização dos jovens, toda uma geração que até aqui era dada como perdida para a política e que passa também a contar. E depois a queda do tabu em torno da social-democracia, na América já não é só possível ser conservador ou liberal. Este alargar de horizontes políticos pode ter grandes efeitos a longo prazo para a política norte-americana, sobretudo se conseguir libertar o país do sistema bi-partidário ancilosante.

Naturalmente o conceito de social-democracia de Bernard Sanders não se sobrepõe exactamente ao conceito europeu. Por estas bandas o estado social que Sanders advoga é um bem adquirido, de alguma forma o denominador comum dos partidos tradicionais (as diferenças são sobretudo na forma, menos na substância). Ainda assim, a popularidade de Sanders representa uma aproximação aos valores europeus que só pode ser considerada como positiva. Sobretudo num momento em que no que toca à política externa os Estados Unidos parecem ter objectivos diametralmente opostos aos nossos interesses.

O crescendo de Bernard Sanders tem outro significado importante. Sanders pode tornar-se no primeiro candidato vencedor sem o apoio (e por vezes com a reprovação) dos media tradicionais. Estas podem muito bem ser as primeiras eleições decididas pelos media modernos. E se não forem estas, é bem possível que venham a ser as próximas.

Deixo como última reflexão a idade de Sanders. Na hipótese ainda remota de ser eleito, assumirá a presidência dos Estados Unidos aos 75 anos. Para além da política, esta história deixa outras lições importantes: a juventude é também um estado de espírito e nunca é tarde para lutar por ideais.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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