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“Até nos vermos lá em cima” de Pierre Lemaitre

Opinião

Não consigo afirmar que esta tenha sido uma leitura empolgante. Não, não foi e, por isso, sinto-me desiludida e defraudada… Mas reconheço (ainda que me custe fazê-lo) que a culpa dessa desilusão e dessa defraudação recai em mim mesma.

A primeira vez que li algo sobre esta obra foi no site da Alfaguara espanhola e o que me saltou à vista foram os prémios que ganhou (um deles o mais prestigiante galardão da literatura francesa) e o facto de a sua ação se desenrolar imediatamente após o final da Primeira Grande Guerra. Ou seja, duas razões mais do que suficientes para que me despertasse o interesse. Para além do mais, as críticas eram mais do que favoráveis – “O melhor romance do ano”; “Este romance consagra um enorme talento. A linguagem, viva, apurada e original, é dominada na perfeição. Eis uma ficção prodigiosa que não passará despercebida”.

Ora, todos estes enormes predicados funcionaram como uma peneira que tapa o sol, pois fizeram-me não ter em conta alguns “pequenos pormenores” que, agora findada a leitura, compreendo terem muita importância – o autor dedica-se sobretudo aos romances policiais (que não são, nem de perto nem de longe, os meus favoritos) e a sua escrita prima pelo uso de um humor negro e irónico, em narrativa algo folhetinescas… Acrescento ainda que, apesar de se notar que Pierre Lemaitre domina com talento e mestria esse estilo de narrativa, próxima ao leitor, com quem o narrador parece dialogar e manter uma relação amigável e de camaradagem, o resultado final acaba por ser, no meu ponto de vista, uma obra extensa que nos conta uma trama não muito complexa e que se resumiria em muito menos do que as suas 487 páginas.

Iniciamos leitura com a descrição do que acontece a três dos protagonistas numa das últimas batalhas que França combate estando a guerra prestes a terminar. Albert Maillard e Édouard Péricourt são companheiros de pelotão mas, até àquele momento, conheciam-se muito superficialmente. Tudo isso muda quando Albert é salvo de uma morte caricata e rocambolesca (estava prestes a morrer sufocado apenas com uma fina camada de terra a cobrir-lhe o corpo) por Édouard que, com uma perna parcialmente desfeita, rasteja para dentro do buraco onde jaz Albert e escava com as mãos a referida camada de terra, num esforço hercúleo que terminaria da forma mais heroica possível (pelo menos para Albert) se o seu salvamento não coincidisse com o súbito aparecimento de um estilhaço de obus que leva consigo metade da cara do seu salvador.

Este renascer para Albert será assim a condenação de Édouard a uma vida penosa, de dores lancinantes, constante reclusão e morte não só interior (de um soldado que antes da guerra era um artista irreverente e excessivo) mas também para a sociedade e a própria família. Sendo assim, estes dois homens que nada têm em comum veem-se ligados por laços que envolvem segredos, experiências de vida e morte e sentimentos de lealdade, gratidão, amizade e ressentimento, obrigação, compaixão.

A convivência pós-guerra dos dois ocupará grande parte da narrativa, mas o narrador interlaçá-la-á com espreitadelas pormenorizadas à vida da família Péricourt (para a qual Édouard se “matou”) e às andanças maléficas do terceiro protagonista da obra – Henri d’Aulnay-Pradelle, superior hierárquico de Albert e Édouard e responsável pelas reviravoltas dramáticas que revolucionaram a vida dos dois desde o momento em que Albert cai num buraco de obus e se vê enterrado no mesmo.

Perante estes ingredientes suculentos, poderia dizer que não teria motivos para não embrenhar-me de cabeça na leitura desta obra e não descansar enquanto não a tivesse “devorado”. Mas infelizmente isso não aconteceu… Talvez pelo ritmo da narrativa ou talvez porque nenhum dos protagonistas nos conquista – Albert é simplesmente demasiado cobarde e indeciso para que simpatizemos com ele, Édouard arrasta-se diariamente numa existência que para ele já não faz sentido e transforma-se num “farrapo humano”, perdendo quase por completo a excentricidade e a irreverência que o caracterizavam e, por fim, o carácter de Henri é tão maquiavélico que apenas lhe consegui devotar ódio e desprezo. As outras personagens, aquelas que poderemos considerar secundárias, também não se destacam nem pelo seu carácter, nem pelas suas ações, a não ser, do meu ponto de vista, M. Péricourt, em quem a carcaça de “velha raposa”, de astuto e poderoso homem de negócios se descasca com um luto tardio pela morte de um filho com quem estava de relações cortadas.

Contudo, nem tudo me deixou desiludida. O final da obra é, citando uma das críticas, particularmente conseguido e as reviravoltas que acontecem ao longo da obra dão-nos ânimo para prosseguir e querer saber como “tudo aquilo vai acabar”. Há ainda uma personagem em particular que é tão burlesca, tão caricatural que não passa despercebida, mas, com as suas atitudes, tem o pendor de nos fazer esquecer esse lado burlesco, absurdo e encaixar uma “tremenda” lição de moral.

Concluindo, por um lado, tenho que advertir que não concordo com o que se lê numa das abas do livro “Até nos vermos lá em cima é uma singular história de cumplicidade atravessada por inesperadas cenas de amor e momentos de puro encantamento”. Há realmente uma grande cumplicidade entre Albert e Édouard, mas não deixa de ser uma cumplicidade pautada por sentimentos contraditórios (lealdade versus ressentimento, por exemplo). Quanto às inesperadas de cenas de amor ou de puro encantamento, desengane-se quem está à espera de grandiosas atitudes de amor, que nos derretem em suspiros e lágrimas no canto do olho. Por outro lado, não creio que o título se adeque ao conteúdo da obra, a não ser que esteja carregado de ironia e seja mais um acréscimo, uma pitada de humor negro a um dos fios narrativos que entrelaça a obra e que não quero aqui desvendar. Por fim, tal como o disse no início desta opinião, não é meu propósito dissuadir futuros leitores desta obra, porque a mesma tem qualidade, sobretudo para quem aprecia histórias bem narradas, com uma trama bem conseguida, pontuada por trechos humorísticos, irónicos. Não oferece aquilo que me pareceu, a princípio, que me cativaria, mas isso deve-se ao facto de eu não me ter informado devidamente, de não ter lido nas entrelinhas da sua sinopse e das suas críticas… My mistake

NOTA – 07/10

Sinopse

Sobre as ruínas da Grande Guerra, dois sobreviventes das trincheiras, consideravelmente maltratados, desforram-se levando a cabo uma burla tão espetacular como amoral.

 

Fresco de uma rara crueldade, notável pela sua arquitetura e pelo poder de evocação, Até nos vermos lá em cima é um grande romance sobre o pós-guerra de 1914-1918, sobre a ilusão do armistício, a hipocrisia do Estado que glorifica os seus desaparecidos e se desembaraça dos cidadãos vivos e incómodos e sobre a abominação elevada a virtude. Numa atmosfera crepuscular e visionária, Pierre Lemaitre compõe a grande tragédia dessa geração perdida com um talento e uma segurança impressionantes.

In http://osabordosmeuslivros.blogspot.pt/

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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