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Senta-te aqui comigo!

Hoje sonhei contigo. Disseste-me: “Senta-te aqui comigo!”

Está bem, sento-me contigo no meio da cozinha. É uma cozinha grande. Uma mesa no centro. É a hora do pequeno-almoço. Há um serviço de chávenas coloridas disposto. Cheira a pão fresco e café. Estou com fome. Hoje vou tentar não pôr açúcar! Asseguro-me que não me esqueci do meu caderno azul e verifico que continua cheio de páginas riscadas de hieróglifos, como sempre. É uma casa bonita, sinto-me bem aqui, a teu lado. Pelas janelas penetra uma luz intensa que me faz bem à pele, promessa do dia que nasce.

Em posição de lótus em cima do sofá. O sofá é meu. É verde. Condiz com os quadros nas paredes de motivos pastorais. Gosto de estar aqui contigo, simplesmente a olhar para ti. Posso fechar os olhos e deixar os meus dedos deslizar nos teus.

Olha, aquele canto está muito desarrumado. Acho que está mesmo sujo. Contrasta com o resto. Mas não me interessa. Hoje não quero amedrontar o coração com pó. Afinal, não passo sem açúcar. Mexo. A espuma fica mais espessa. Deixo escorrer a colher. Tudo acontece em câmara lenta, como o teu sorriso.

Há cheiros nesta casa que eu já conheço, mesmo se nunca estive aqui. O cheiro a café forte, que deixa sempre um travo amargo, que chega com algum atraso à língua. É por isso que ponho açúcar, percebes? Cocegam-me as narinas as fragrâncias sedutoras a anis e gengibre dos biscoitos que fazes aos sábados de manhã e cujo sabor nunca reconheço à primeira dentada. Sou assim, já não mudo! Hum… e os eflúvios de canela que me lembram a tua pele que cheira a sol. E de lá fora, chegam pelas frestas da janela as essências do canteiro de alecrim e do limoeiro que ainda não plantei. E o riso encantado dos nossos filhos que ainda não nasceram.

Quero explorar o resto da casa, mas sinto-me tão bem aqui contigo. A apaixonar-me a cada instante pelo sossego dos teus olhos. Sentado aqui, neste soalho, onde tudo é possível.

Achas que os quartos são amplos? As crianças precisam de espaço para brincar e crescer. Queres crianças, não queres? Quero ouvir o seu riso ao correrem pela casa, da mesma maneira que sou feliz quando oiço o teu.

E o sótão? A casa tem sótão? Uma mansarda onde poderei escrever e estender-me sobre os meus cadernos. E onde aos domingos, vespertinos e áridos, virás fazer amor comigo. Deitar-nos-emos em cima das páginas das minhas utopias. Nos poros do teu corpo, nas rugas do teu rosto, nas baías das tuas costas tranquilas, no ancoradouro dos teus lábios floridos, descobrirei novos mapas e caminhos e rotas de sal, desejo e suor.

Deixa-me olhar-te! Seremos felizes, aqui? Pensas que sim?

Ali é a cave, é grande, podemos encafuar lá todos os nossos velhos caixotes. Temos que resistir à tentação de os abrir. Sabes bem que sou um incurável e trôpego romântico. Não me deixes sucumbir aos fantasmas. Quero esquecer o passado e desfrutar da nossa casa maravilhosa.

O soalho range, eu sei! Não é seguro. Achas que pode ceder? Lá íamos parar à cave com umas boas doses de equimoses dentro dos velhos caixotes aos quais queríamos esquecer.

Sinto que já reparti pedaços de mim por aqui. Este lugar já me pertence, se é que alguma vez pertencemos a algum lugar. Porque isto é tudo, afinal, uma grande viagem.

Arregaço a coragem nos teus olhos. Vamos pôr mãos à obra. Vamos abater estes muros que não fazem falta aqui. Isto fica muito mais arejada assim. Podemos substituir os móveis velhos e pintar tudo de uma cor diferente. Gostas de ocre ou de vermelho da Toscânia? Quero uma cor quente, como os teus ombros.

Olha! Ali, pela janela. A casa tem um belo jardim, já reparaste? Não tenho muito jeito para hortas. Saberemos cultivá-lo? Não pode ser assim tão difícil plantar rosas e orquídeas! E depois é só regá-las de vez em quando, não é?

É esta a vida que queres comigo? É o que tenho para oferecer. É tudo o que sei. Quero tão pouco, parece-me tanto. Hoje, aqui, no centro nervoso desta casa que já é nossa, ainda os pilares crescem e as telhas se compõem, queria pedir-te apenas que te chegasses mais a mim, me abraçasses sem temer ontens nem amanhãs e que encontrasses no meu regaço o tempo e o espaço para me dizeres tudo. E eu prometo que vou deixar de me conter para te dizer essas palavras: Amo-te!

JLC

(Imagem: Puuung)

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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