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Reflexões de Verão

Devo-vos dizer que a minha cadela, a Amália, adoeceu e, por isso mesmo, não posso ir de férias. Ela merece toda a minha disponibilidade já que não a tem como devia durante o resto do ano. Assim, sobra-me tempo para escrever. Que não se entenda este tempo como dar ao leitor a menoridade do pensamento. Depois de uma tentativa falhada de escrever sobre Nietzsche, achei que devia ser capaz de falar sobre coisas que me preocupam, para além da minha cadela. Nietzsche deixou-me a pensar quando diz que o escravo não deixa de ser escravo ao tomar o poder, nem o fraco deixa de ser um fraco. As forças reactivas não deixam de ser reactivas. Porque em todas as coisas trata-se de baixeza e de nobreza. Os estados modernos são como formigueiros, onde os chefes e os poderosos triunfam devido à sua baixeza, ao contágio dessa baixeza.

Preocupa-me o desdém pela política. Pela Pólis. Pela vida em comum que temos enquanto cidadãos europeus. Porque será que há uma falta de estima por aqueles que desempenham funções na vida pública? Será que espelhamos o que somos na política? Ou será que desistimos dela porque nos demitimos da responsabilidade de sermos cidadãos plenos? Vejo, e bem, nas redes sociais uma luta constante contra a corrupção na vida pública. Mas e o resto? Não entenda o leitor as minhas perguntas como uma forma inusitada de insulto. Pelo contrário. Gostaria de compreender melhor este desprezo profundo que nos nossos dias se sente pela política.

Se a política é uma forma de exercício de uma moral viva e se a democracia é o sistema que, pela eleição, permite a cada cidadão escolher quem e o enquadramento de ideias que mais o defende, porque teimamos em fazer de conta que não temos nada a ver com a política? Ela é um poder. O poder de mudar ou de se sujeitar. Por outro lado, aqueles que se propõem ao exercício da vida pública devem ser os primeiros a se libertarem de vícios e grilhões que podem levar à queda de uma nação, de uma região e de si próprios. Todos conhecemos a história da Grécia Antiga, que não teve um final feliz.
Assim, neste tempo livre que tenho andei a ler – felizmente vivo no melhor lugar do Mundo para o fazer, a Madeira – e (se calhar estas respostas não estão nos livros) dei-me conta de que se trata de uma questão de acção. Isto é, a reacção age sobre si própria e é típica dos homens fracos que são incapazes de fazer uso do poder como instrumento de diferença na vida dos outros. O poder só se faz com o conhecimento. Com uma inteligência estratégica em que a própria política aprende. Estou a falar de uma democracia cognitiva que se realiza pela política e pela moral. O resto é táctica barata que dura o tempo que tem de durar.

A realidade política é uma exigência moral feita aos cidadãos e tem como fim a acção razoável sobre todos os homens. Em última análise, a felicidade comum. Talvez deva ser possível encontrar o sentido da política através da questão do sentido da acção humana, do ser humano que é vivo e que não pode ignorar o plano moral. A política, em si mesma, é uma presença real e concreta da vida activa do homem.

O problema que se coloca é se existirá a possibilidade de levar a cabo um discurso coerente, capaz de captar e mostrar a estrutura viva e concreta da realidade política e moral e de fundamentar pela sensatez as acções humanas. Mais, se o sentido da vida e da existência tem que ser procurado na vida em comum, como quem acredita numa quimera, num sonho que está acima ou abaixo do homem, num domínio teórico em que tal sentido apenas pode ser contemplado e não vivido. Ou se, pelo contrário, o sentido é algo de efectivo, ainda que para esse fim tenhamos de percorrer um caminho.

E volto à pergunta inicial: de onde nasceu este desdém pela política? É porque todos nós somos responsáveis pelo uso da nossa liberdade, inclusive a de perceber que as urnas não são um sonho, mas um lugar real onde decidimos a vida de toda a gente. Gosto particularmente dos lugares onde compreendemos que para chegar a uma verdade são precisos dois. Assim, espero que o leitor encontre a possibilidade do diálogo num momento em que a indignação, particularmente nas redes sociais, não nos serve de muito quando está em risco a nossa história democrática. É que o Estado não é um órgão. Ele é uma organização de uma determinada comunidade, neste caso, a nossa.

No domínio político a lei é a forma pela qual o Estado existe e pensa. Deste modo, a lei não é um meio, ou um dado, antes ela é um dar forma da consciência aos fins últimos da comunidade e é nela que se exprime a vida consciente dessa comunidade, capaz de transformar a realidade. E isto não se faz sem a liberdade. A liberdade, enquanto exigência universal, não é apenas a liberdade de homens livres pensada por alguém. Ser livre em pensamento é uma tarefa fácil. O que é premente é que a liberdade seja real. Isso é já agir.

P.S.: Fico a aguardar o diálogo que não tem forçosamente de ser feito comigo. Entretanto, vou dar o meu tempo à minha cadela, a Amália.

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