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Lúcia Machado de Almeida: o sentido da solidariedade humana

Autora de extensa obra que tem marcado sucessivas gerações de leitores há sete décadas, Lúcia Machado de Almeida é nome sempre lembrado entre crianças e jovens, através de obras como O caso da borboleta Atíria, O escaravelho do Diabo, Estórias do fundo do mar ou Aventuras de Xisto.

Nascida em 9 de maio de 1910, na Fazenda Nova Granja, no município mineiro de Santa Luzia, aos seis anos mudou-se com a família para Belo Horizonte, onde passou a maior parte de sua vida. De uma destacada família de intelectuais, era irmã de Aníbal Machado, tia de Maria Clara Machado e prima de Murilo Mendes.

Jornalista atuante por quase seis décadas, trabalhou nos Diários Associados e viajou pela Europa e Estados Unidos como conferencista convidada pelo Ministério das Relações Exteriores para falar sobre Aleijadinho e as cidades mineiras do Ciclo do Ouro. Dedicou-se também à tradução, vertendo para o português livros de Honoré de Balzac, Bernard Hollowood e Astrid Lundgreen.

Sua carreira como escritora começou, conforme dizia, acidentalmente, em 1942, quando, para distrair os filhos que estavam com sarampo e não podiam sair de casa, criou a personagem Piabinha e as suas aventuras no fundo do mar. No entanto, os primeiros anos de vida passados na fazenda da família onde nasceu, certamente foram decisivos para despertar sua sensibilidade artística. Nas evocações a que intitulou “Um pouco de mim”, diz: “Criança solitária, eu passava os dias trepada nas árvores, acompanhando a maturação das frutas, visitando ninhos de passarinhos e observando as borboletas que saíam dos casulos. Ou então, descalça, eu me metia num córrego que por ali passava, a brincar com as piabas. Eu não imaginava que esse contato direto com a natureza iria me marcar para sempre”.

A consagração de sua obra veio tanto dos milhões de leitores que justificam as sucessivas reedições de seus livros, como da crítica especializada e de seus companheiros de ofício. Para Carlos Drummond de Andrade “Lúcia Machado de Almeida conta história do jeito mais natural (quer dizer, mais artisticamente natural), de sorte que o leitor infantil não se sente intimidado com a pressão de uma inteligência adulta a querer estabelecer uma falsa intimidade com o espírito infantil. Dir-se-ia que a própria Lúcia tira prazer de seus contos e se diverte com eles como se fosse uma leitora pequena. Em suas histórias combinam-se a poesia e a realidade, o cotidiano e o fantástico”.

Paralelamente a seus textos destinados aos jovens, escreveu três livros considerados fundamentais para o conhecimento mais profundo sobre o Ciclo do Ouro em Minas Gerais: Passeio a Sabará, Passeio a Ouro Preto e Passeio a Diamantina. Assim como outro, fruto de suas viagens a Portugal: Passeio ao Alto Minho, no qual desvenda aos leitores muito da magia das terras lusitanas. Com bem acentuou Rubem Braga, por ocasião do lançamento de Passeio a Diamantina, “Em casa mesmo a gente viaja pelas ruas e pelos séculos de Diamantina com tanta doçura e gosto que passa a entender e amar ainda mais aquele mundo que visitamos pela primeira vez pela mão da menina Helena Morley”.

Costumava dizer que “o livro bom para criança é aquele que desperta nela uma curiosidade para o mundo” e que “se o escritor, através de sua obra, (seja ela de que gênero for), consegue despertar na criança, ainda que de modo embrionário e indireto, um sentido de solidariedade humana, de fraternidade universal e de respeito pela natureza, ele terá cumprido sua mais alta missão”.

O bom humor e a alegria Lúcia carregou da infância vida afora, pois com graça era comum vê-la contar algumas situações engraçadas dais quais fora protagonista, como na ocasião em que recebeu em sua casa um distinto lorde inglês, que maravilhado com algumas flores azuis que estavam num vaso em sua sala, indagou que espécie se tratava e ela, envergonhada de dizer que não sabia, solenemente inventou o primeiro nome que lhe veio à cabeça: pavônia, sem imaginar, todavia, que o tal lorde era botânico e imediatamente retiraria do bolso uma pequena caderneta onde anotou o nome inventado. Aflita, quis consertar a situação, afirmando que, na verdade, aquele nome só era usado em Minas Gerais, mais especificamente em Belo Horizonte, naquela rua, naquela casa, ou seja, que era mesmo um nome que ela havia inventado na hora, por vergonha de sua ignorância, o que acabou fazendo rir gostosamente o elegante lorde, que lhe prometeu, inclusive, denominar a tal flor de pavônia dali em diante.

Sobre a borboleta Atíria, aquela que é a sua personagem mais admirada e conhecida pelos leitores, deu o seguinte depoimento: “Eu tinha seis ou sete anos, quando, de repente, uma borboletinha pulou, não sei de onde, voou naturalmente e posou no meu colo. Olhei para ela. Simpatizei com o animalzinho. Notei que ela tinha uma asa defeituosa. Aquilo me comoveu muito…Era uma Atíria, nome que muitos anos depois aprendi num livro de etimologia: Atíria Isis”…”O caso da borboleta Atíria” é o livro que eu gosto mais, é o livro por que tenho mais amor”.

Longeva, viúva de seu grande companheiro de ideais e viagens, o museólogo Antônio Joaquim de Almeida , Lúcia faleceu dias antes de completar 95 anos, em 30 de abril de 2005, e nada mais oportuno para relembrá-la que um trecho do belo poema escrito por Cecília Meireles, em sua homenagem:

“Lúcia-azul –

vamos despir os santos,

vamos beijar a Virgem Maria

[Chinesa,

Lúcia-azul –

vamos chupar jabuticabas

– azuis, azuis, azuis –

com os profetas e o coveiro?

Eu quero ver seu rosto azul atrás da gelosia da “jalousie”

tão árabe, tão azul, tão Lúcia…

vamos buscar os pratos azuis,

Lúcia-azul –

e vamos por estas ruas gritando:

quem tem mão de santo?

Nós queremos mão de santo,

dedo de santo,

nós queremos santos!

Vamos colar as mãos dos santos,

Lúcia-azul –

sentar o Menino-Jesus em livros,

pedir à Senhora do Ó que tenha

{muitos meninos iguais,

todos de mãos inquebráveis,

e depois voaremos para o céu

ou para o mar,

azuis, azuis, azuis,

como as janelas do Senhor

[Intendente,

azuis, Lúcia, como o seu perfil,

[entre as nuvens,

tudo azul, cerúleo, anil,…”

 

O autor deste texto, Angelo Mendes Corrêa, é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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