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Caminho para a felicidade

“- Porque cantas, imbecil?

– Porque me sinto feliz, Senhora Árvore, e ninguém tem nada com isso – mentiu João Sem Medo, petulante – Engana-se se cuida que neste momento a minha felicidade, ou infelicidade, depende dos seus caprichos, ordens ou contra-ordens.”

Excerto de Aventuras de João Sem Medo (p.22), José Gomes Ferreira (1900-1985)

A felicidade não é apenas a soma de momentos felizes. Também o é, é certo. Mas é mais. É uma espécie de predisposição, um verdadeiro estado de alma, que protege quem o experimenta de se “ir a baixo” nas contrariedades da vida que todos, sem excepção, sentimos. Um olhar que se mantem confiante aconteça o que acontecer.

A vida é severa muitas vezes, e ir da felicidade extrema à mais profunda tristeza não é difícil, porque vamos perdendo muito no nosso percurso diário, de nós e dos outros. Apesar disso há espaço para a alegria. Tem de haver. E ela não pode estar dependente de qualquer coisa exterior a nós, que não esteja ao nosso alcance. Pelo contrário, a capacidade de ser feliz encontra-se, acredito, no interior de cada um e no que cada um decide fazer com ela.

Contudo, existem obstáculos, por exemplo, olhando para a Sociedade Contemporânea damos conta de fenómenos preocupantes de solidão e abandono. Estamos todos ligados, conectados à “rede”, entre amigos. E quase sentimos obrigação de demonstrar que somos (estupidamente) felizes. O problema é que criada essa “personagem”, é difícil retroceder, ir ter com o outro e falar das nossas encruzilhadas, dúvidas e partilhar sofrimentos. Até porque deixamos de ter, comummente, relações que tenham a abertura (que implica investimento, partilha, parceria e intimidade) para que nos sintamos bem a fazê-lo. Até porque num contexto em que todos são tão felizes (e por vezes é tudo falacioso) como é que vamos conseguir dizer a alguém que estamos infelizes por este motivo ou aquele? E depois, porque não dizemos, fica-nos a faltar o conforto do amigo e aquele abraço apertado que vale mais que um milhão de “likes”.

Estou certa que seremos mais felizes se tivermos outros com quem dividir essa felicidade, mas também quando as houver, dividir a desilusão, a frustração e a tristeza.

Posto isto, como conseguimos essa predisposição interior para a felicidade (considerando que não sendo inata pode ser adquirida)? Sob o meu ponto de vista só poderá ser pela auto-realização. Ainda hoje li no feed de notícias de uma rede social, esta afirmação de Abraham Maslow:

“Um músico deve fazer música, um artista deve pintar, um poeta deve escrever, se realmente quiser estar em paz consigo próprio. O que um homem pode ser deve ser.”

Tem tanto de evidente como de difícil e moroso. E somam-se, muitas vezes, muitos dias em que vemos tudo isso – o que podíamos e devíamos ser – muito longínquos. É nesse caso aproveitar o caminho. Aceitá-lo. Enfrentá-lo. Gozá-lo. Enriquecê-lo. E deixar o tempo correr, retirando o melhor de todas as experiências e cultivando uma atitude de aprendizagem contínua. Acima de tudo manter o foco, como disse José Saramago: “A felicidade consiste em dar passos na direcção de si próprio e ver o que se é”(La Vanguardia, 2008). E por vezes é aceitar que o que se é e o que nos realiza não é imutável (pelo contrário é fortemente marcado pela mudança) e fazer as adaptações necessárias. E arrepiar caminho se for caso. E, por vezes, acelerar o passo, até correr, para chegar rápido à estação onde o comboio que esperamos não esperará por nós. E outras vezes parar em silêncio, sentarmo-nos no chão, deixar cair as lágrimas e sentir o conforto da brisa.

O sentimento de auto-realização plena é a utopia – imagino-o como um misto entre a paz absoluta e a liberdade total, como quando se é criança e depois de um dia de muita brincadeira nos atirávamos para cima da cama e adormecíamos ainda com o sorriso escancarado no rosto miúdo. Talvez nunca mais o voltemos a sentir. Mas vale a pena lutar por ele. E por isso trilhar o caminho. O filósofo José Luís Nunes Martins disse: A felicidade não é uma estação de chegada mas uma forma de viajar. Lindo, não é?

Podemos escolher viajar zangados e ciumentos, invejosos e amuados, a espreitar pelo canto do olho a alegria dos outros (a verdadeira e a falsa). Ou podemos escolher apaixonarmo-nos pelas maravilhosas (e difíceis) peripécias que a vida reservou para nós e alegrar-nos com a flor azul que nasce na calçada, com a música nova da Rádio, com a solidariedade de um desconhecido, com a gargalhada fenomenal do nosso filho… – que são presentes que nos são destinados. E sermos felizes em todas as vezes que, a custo, subimos um “degrau”. E quando acrescentamos algo novo ao que conhecemos, enchendo com o que interessa a “mala” que transportamos. E, ainda, quando nos ultrapassamos, indo até onde nunca imaginámos ser capazes.

Sigamos caminho! E não nos esqueçamos que a felicidade começa (e vive) dentro de nós.

14 de Julho de 2017

Esch-sur-Alzette

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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