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A barbárie que comanda Roma

As injustiças da natureza, vá: não as podemos evitar”. As palavras são de Fernando Pessoa, na obra O Banqueiro Anarquista. Já as injustiças da sociedade podem ser evitadas. Assim devem ter pensado cada uma das 629 pessoas que estavam a bordo do “MS Aquarius”, no mar Mediterrâneo. O mesmo não é possível dizer nem do governo de Itália, nem do governo de Malta. Duas posições em vértices ideológicos contrários que recusaram o desembarque de homens, mulheres e crianças desesperadas pela firmeza da terra. Itália agiu por pura discriminação; no segundo caso, Malta, a desculpa assentou no conforto da lei internacional.

Malta rejeitou o pedido alegando que a lei internacional requer que os migrantes sejam levados para os portos italianos. Não se esperava que dessem asilo. Esperava-se, daqueles que se dizem os mais civilizados deste mundo, que dessem, pelo menos, a segurança imediata do chão àqueles que arriscam a sua vida no mar porque a sua pátria vive na incerteza da guerra.

Segundo a SOS Mediterrâneo, ONG franco-alemã que operava o navio, das 629 pessoas a bordo do Aquarius, 123 são menores não acompanhados, 11 crianças e sete mulheres grávidas. Estas pessoas serviram de braço de ferro entre dois governos europeus, o primeiro desde a chegada do novo governo italiano, populista e xenófobo.

Em Itália governa uma extrema-direita encabeçada por Matteo Salvini e suportada a cuspo por aqueles que se dizem anti-sistema, o Movimento 5 Estrelas, mas que no fundo ficarão colados a esta forma crua de olhar para quem mais precisa. São anti-sistema de quê? Contra quem? Que ideologia defendem? São contra pessoas? São contra a democracia? Tenho muita dificuldade em perceber este conceito de anti-sistema. Onde andaram durante a crise?

Foi de Salvini, o novo Ministro do Interior, que saiu a ordem para a proibição dos portos italianos em permitir a recepção do “MS Aquarius”. Felizmente para a Europa, de Espanha chegou uma resposta à altura, mostrando que a solidariedade ainda é um dos valores basilares da União e de quem se diz humano. O recém-formado governo socialista de Pedro Sánchez autorizou o desembarque do navio no porto da cidade de Valência, cumprindo, desta forma, com as obrigações do Direito Internacional, aquelas que Itália optou por não aceitar. Acima de tudo, Espanha deu uma lição de humanismo. E isto vale por toda a legislação internacional.

Depois de saber da acção espanhola, Matteo Salvini regozijou-se com a “vitória” e auto congratulou-se pelo seu “primeiro objetivo alcançado”. A vitória de Salvini foi a vitória da desumanidade. Salvini não ganhou nada. Absolutamente nada. Perdeu toda a Itália que desonrou os seus próprios migrantes espalhados pelos quatro cantos do mundo. Outro país acolheu aqueles a quem o líder italiano virou as costas.

É esta a barbárie que comanda Roma. Ao recusar ajuda a estes migrantes, gente como nós, Salvini assume-se como um verdadeiro bully, acabado de chegar ao recreio da política europeia, atacando os mais fracos, aqueles que não se podem defender. Um rufia que tem medo de se sentar à mesa na Europa para falar sobre a crise migratória prevista na Convenção de Dublin.

Antes da reunião do Conselho Europeu, que acontecerá no final deste mês, Itália entrega uma mensagem a Bruxelas sobre a mudança em termos das políticas da migração, enterrando a via do diálogo, aquele que deveria ser o caminho das negociações, o da diplomacia, o do definir um destino comum para uma União mais solidária e humana. Estamos a falar de pessoas.

É preciso também dizer que a Europa colhe agora o egoísmo dos líderes dos seus Estados-membros. Antes de Salvini, já Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, erguia muros e empregava caçadores de migrantes. Áustria. República-Checa. Polónia. Eslováquia. Quo vadis Europa?

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